História da ciência em sala de aula: Uma proposta para a abordagem do desenvolvimento dos conceitos de peso do ar e pressão atmosférica
Mestrando: Dayson de Mello Silva
Orientador: Prof. Dr. Jusmar
Valentin Bellini
Apresentação
O
presente material foi desenvolvido como produto educacional do programa de
mestrado nacional profissional em ensino de Física, campus UEM, pelo mestrando Dayson
de Mello Silva.
O
ensino de Física, nos dias de hoje, encontra-se pautado na aprendizagem de
expressões matemáticas e na resolução de problemas. Devemos reconhecer a
extrema importância da matemática na descrição dos fenômenos observáveis, mas
será isso de fato o mais importante para o aluno? O presente trabalho pretende
apresentar uma alternativa: a utilização da história da Ciência como ferramenta
pedagógica. Para tanto foi escolhido o recorte histórico que trata do
estabelecimento do peso do ar e da definição de pressão atmosférica, partiremos
das ideias aristotélicas e atomistas relacionadas a possibilidade do vácuo,
confrontando as duas teorias. A partir disso passaremos a falar das
contribuições chave, que permitiram que essa grande mudança de paradigma
acontecesse, mudança de paradigma no que se diz respeito a mudança do paradigma
aristotélico vigente em favor de uma teoria mais bem elaborada do ponto de
vista científico. Veremos que essa nova teoria foi construída a partir de
algumas contribuições pioneiras, falamos sobre os trabalhos realizados por
quatro grandes cientistas: Evangelista Torricelli, Blaise Pascal, Otto Von
Guericke e Robert Boyle. O presente material trará ao professor, além de
material histórico, uma descrição de como o material foi eficazmente aplicado
ao ensino médio público apresentando bons resultados tanto com relação ao
aprendizado como também no interesse dos alunos.
1.
Introdução
Os trabalhos relativos ao
tema proposto, ou seja, trabalhos que abordem sucintamente este período
histórico são poucos e um tanto quanto fragmentados, principalmente se
considerarmos apenas os trabalhos em língua portuguesa.
Devido a essa falta de
material dedicado a um período histórico de extrema importância para o
desenvolvimento da Física no século XVII é que o presente trabalho pretende
reunir algumas informações relativas ao período em questão e apresentá-las de
uma forma cronológica e coesa. O uso desse material poderia ser útil para
esclarecer como se deu essa grande mudança de paradigma, que marcou a passagem
da concepção aristotélica vigente em favor de uma teoria mais bem elaborada e
fundamentada em experimentos e processos de medida.
Os procedimentos para a
realização do trabalho basearam-se em pesquisas realizadas em diversas fontes
bibliográficas, buscando reunir uma considerável quantidade de informações
referentes ao tema proposto, dando-lhe coesão e montando um quadro geral,
panorâmico, das contribuições fundamentais para o estabelecimento da física dos
gases e da mecânica dos fluidos. Não se trata, portanto, de um trabalho de
história da física, mas da simples confecção de material didático de apoio ao
ensino de ciências.
Da simples experiência
cotidiana sabemos que quando o ar é removido de um recipiente e se cria ali um
vácuo, então há uma tendência a que as coisas sejam para ali sugadas. Isso ocorre todas as vezes em que tomamos um
refrigerante com um simples canudinho, como resultado do processo de sucção.
Trata-se de um processo tão importante que, ao nascer, nós o herdamos como
reflexo! A explicação existente no contexto da física aristotélica para o
processo de preenchimento desse “espaço vazio” criado pela sucção pode ser
resumida na frase que se lhe atribui genericamente: “a natureza abomina o vácuo” Ou seja, o
espaço vazio será sempre preenchido por alguma coisa, pois há um verdadeiro
horror, presente na natureza, à existência de um espaço vazio. Esta explicação, como todas as outras importantes
explicações da física aristotélica, é de natureza teleológica, isto é, apela
para as causas finais.
A explicação desse e de
outros fenômenos só seria obtida a partir da descoberta de que a atmosfera
exerce uma pressão sobre a superfície da Terra, feita por outro italiano,
também do círculo de Galileu, Evangelista Torricelli. A afirmação do peso do
ar, no entanto, pode ser encontrada em diversos precursores como o Cardeal
Nicolau de Cusa e Girolamo Cardano, no
holandês Isaac Beeckman, cuja influência
sobre Descartes foi substancial, e na
obra do Padre Marin Marsenne, que encontrou, para o ar, uma densidade cerca de
duas mil vezes menor que a da água.
Contudo, foi a partir da
obra de Torricelli e a partir do rigor do método experimental de Pascal que o
problema foi eficazmente resolvido.
Nosso percurso neste
trabalho partirá, portanto, dessas contribuições pioneiras e se deterá no
desenvolvimento posterior dessas ideias, procurando enfatizar como a doutrina
do “horror ao vácuo” foi gradativamente sendo refutada e substituída por uma
teoria mais bem elaborada, fundada em bases conceituais e experimentais mais
sólidas.
2.
As
incertezas com relação a existência do vazio.
2.1
O
vácuo existe?
Embora nos dias de hoje
essa possa ser considerada uma questão trivial, antigamente nossos antepassados
enfrentaram grandes dificuldades para chegar a uma conclusão referente a este
tema. Existe realmente algum espaço vazio, onde não haja nenhum tipo de
matéria? Veremos que, ao longo da
história, grupos de estudiosos defenderam a existência do vácuo, já outros, a
negaram. Comecemos evocando o que achavam dois grandes grupos de estudiosos do
passado, os atomistas e os aristotélicos.
2.2
Os
atomistas
Se a pergunta da seção
anterior fosse feita a um atomista, a resposta seria sim. Os atomistas
acreditavam que tudo na natureza ocorria devido à ação de elementos mínimos e
indivisíveis, os átomos. Não havia para eles nada no Universo que não fosse
átomos ou vácuo. As reações entre eles eram governadas pelo acaso, definido
como uma necessidade cega. Não havia interferência de qualquer ser inteligente
dotado de poderes divinos. Ao contrário da maioria dos pensadores de sua época,
acreditavam no vácuo, e na infinitude do Universo.
Afirmavam os atomistas
que o átomo explicava não apenas o que chamavam de experiência sensível, mas
também não suprimia nem o nascimento e destruição, nem o movimento e a
multiplicidade dos seres. Acreditavam no poder de coisas pequenas demais para
serem captadas pelos olhos e sustentavam essa opinião com um experimento de
Empédocles que, ao mergulhar na água um vaso com sua boca para baixo, constatou
que o ar, embora invisível, ocupava espaço e tinha propriedades como causar
pressão na água. Os átomos teriam propriedades distintas entre eles como forma,
cor, tamanho, densidade, cheiro, gosto etc. Todos os fenômenos observáveis da
matéria estariam associados aos átomos. Entretanto, essas experiências
sensoriais produzidas pelos átomos seriam sempre "filtradas" pela
opinião do ser afetado. O caminho para o entendimento da verdade absoluta do
mundo natural podia ser encontrado numa mistura ponderada da razão intelectual
com a experiência sensorial. Os atomistas dividiam todo o Universo em ser e
não-ser, cheio e vazio. O ser seriam os átomos, infinitos em número, e todos
pequenos demais para serem vistos. Estes seres se movem no vácuo (não-ser);
quando se unem, produzem o nascimento e quando se desagregam, provocam a
destruição. O não-ser (vácuo), para eles, não tinha o mesmo sentido que o não
ser de Parmênides (um não-ser absoluto). Na concepção dos atomistas, o vácuo
era simplesmente um não-ser relativo ao ser. A existência do vácuo em suas
teorias era fundamental, pois sem ele não se explicava o movimento. Sobre essas suposições algumas conclusões foram tiradas:
Os átomos se movem no vácuo;
encontrando-se, chocam-se entre si; uns saltam, outros entrelaçam-se, de acordo
com a simetria de suas formas, tamanho, posições e disposições. Quando se
reúnem, dá-se o nascimento das coisas compostas (Simplício).
Quanto aos corpos compostos, o mais
leve é o que contém mais vácuo, e o mais pesado, o que possui menos. Algo
parecido ocorre nos corpos duros e moles.
Com relação às ideias atomistas, é
ilustrativo citar um pequeno trecho dos escritos de Epicuro, defensor da teoria
atomista:
Se não
existisse aquilo que chamamos de vazio ou espaço ou natureza intangível, os
corpos não teriam onde estar nem através do que se mover, como se vê que eles
se movem. (MARTINS, 1989, p.11)
Este argumento é
descrito também por Sextus Empiricus:
E
falta de testemunho contrário é a congruência entre o objeto suposto, não
evidente, com o aparente – como quando Epicuros diz que o vazio existe, o que é
uma coisa não evidente; e isso se baseia em um fato óbvio, a saber; o
movimento; pois se o vazio não existe, o movimento também não deveria existir,
pois o móvel não teria um lugar por onde passar, se todas as coisas estivessem
cheias e compactadas; assim, como o movimento existe, o aparente não dá um
testemunho que contraria o fato opinado não evidente. (MARTINS, 1989, p.11)
Os
argumentos apresentados até aqui, pelos atomistas, colocam a existência do
vazio como algo imprescindível, pois sem ele o movimento não podia ser
explicado. Veremos, no tópico seguinte, que uma outra corrente de pensadores
pensava de uma forma completamente diferente com relação a este tema.
2.3
Os
aristotélicos
Embora para os atomistas
a existência do vácuo fosse fundamental, se essa mesma pergunta relativa à sua
existência ou não fosse feita a um aristotélico a resposta seria claramente
negativa.
Aristóteles, em seu livro
Física, aborda o problema do vácuo,
utilizando diversas reflexões lógicas para negar a sua existência.
Enquanto alguns
afirmam a existência do vácuo como condição necessária para o movimento, o que
acontece é exatamente o contrário: que nada poderia se mover se existisse o
vácuo. Porque assim como alguns afirmam que a Terra está em repouso pela sua
homogeneidade, assim também no vácuo seria inevitável que um corpo estivesse em
repouso, pois não haveria um mais ou um menos para o qual as coisas se
movessem, já que no vácuo não existem diferenças.
Além disso, todo
movimento é ou por violência ou por natureza. Mas se há um movimento violento,
então tem que haver também um movimento natural (porque o movimento violento é
contrário á natureza e o movimento contrário a natureza é posterior aquele
segundo a natureza, de modo que, se não houvesse um movimento segundo a
natureza em todos os corpos naturais, não haveria tampouco nenhum dos outros
movimentos). Mas como poderia haver um movimento natural se não existe nenhuma
diferença no vácuo e no infinito? Porque no infinito não há acima nem abaixo
nem centro, e no vácuo, o acima não difere em nada do abaixo (porque assim como
no nada não há diferenças, tampouco há no vácuo, pois se pensa que o vácuo é um
certo não ser e uma privação). Mas o deslocamento natural é diferente, de modo
que há diferenças nas coisas que são por natureza. Assim, pois, ou não há nenhum
deslocamento natural em nenhuma parte e para coisa nenhuma, ou, se há, o vácuo
não existe. (ARISTÓTELES, Física, Tradução e notas: GUILHERMO R. DE
ECHANDÍA-p.138-139)
Vemos na citação acima,
que Aristóteles, valendo-se de uma lógica incrível, refuta o que era afirmado
pelos atomistas no que diz respeito ao vácuo ser necessário para que o
movimento dos corpos fosse explicado. Além disso, Aristóteles afirmava que a
natureza tinha um verdadeiro horror ao vácuo, e que quando se tentava criar
este vácuo, a natureza imediatamente agia preenchendo este espaço.
Outro argumento utilizado
pelos aristotélicos era com relação a velocidade dos corpos. Quando um corpo em
repouso recebe a ação de uma força, o mesmo fica submetido a uma aceleração,
aumentando assim a sua velocidade. Devido ao atrito com o solo e com o ar
sabemos que o corpo diminui gradativamente a sua velocidade até atingir o
repouso, mas se isso acontecesse no vácuo não haveria nada para retardar o
movimento do corpo e, portanto, este poderia atingir uma velocidade infinita, o
que é impossível, portanto o vácuo não existe.
Caímos
então em um impasse, pois, se para os atomistas a existência do vácuo era
imprescindível, para os aristotélicos era um absurdo, e vê-se que ambos os
grupos possuíam argumentos plausíveis para sustentarem suas teorias!
2.4
O
surgimento da resposta
A resposta para a nossa pergunta começa a
surgir devido a um problema na utilização das bombas de sucção e bombas com
êmbolos, que já eram amplamente utilizadas pelos antigos gregos e romanos
principalmente com finalidade agrícola, mas também para o abastecimento de água
e preenchimento de cisternas. A esse respeito, é representativa uma passagem
dos Discorsi em que a dificuldade de se elevar a água a uma
altura acima de cerca de dez metros é reportado por Galileu que, num primeiro
momento, atribui o problema a um possível mau funcionamento da própria bomba.
Vi uma vez uma
cisterna na qual tinha sido instalada uma bomba. O braço da bomba puxava seu
êmbolo e a válvula para a parte superior, de tal maneira que a água se
elevava por atração, e não por um impulso, como no caso das bombas que têm o
pistão colocado lá em baixo (na cisterna). Essa bomba trabalhava
perfeitamente, enquanto a água da cisterna se mantivesse acima de determinado
nível; mas, abaixo daquele nível, a bomba deixava de trabalhar. Quando primeiro
observei esse fenômeno, pensei que a bomba tinha se desarranjado, mas o
operário que chamei para repará-la disse-me que o defeito não estava na bomba,
mas na água (nível), que tinha caído muito baixo para que pudesse ser
elevada em toda aquela altura; e acrescentou que não é possível, seja para uma
bomba, seja para qualquer outra máquina que trabalhe pelo principio da atração,
elevar a água um fio de cabelo a mais do que dezoito cúbitos (cerca de 10
metros); seja a bomba grande ou pequena, este ‚ o limite extremo de elevação.
Uma importante consequência da capacidade limitada
das bombas de elevar água foi que algum outro método era necessário para
bombear água para fora de minas profundas, e essa necessidade forneceu o estímulo
inicial para o desenvolvimento de máquinas a vapor. Outra consequência foi que
os físicos do século XVII se tornaram curiosos para descobrir como a bomba de
sucção trabalhava e também por que deveria haver um limite em sua capacidade de
elevar água.
Se
você remove ar de um recipiente, criando ali um vácuo, há uma tendência que as
coisas sejam para ali sugadas. Os filósofos aristotélicos explicavam esse fato
dizendo que a natureza abomina o vácuo. Não é natural, eles diziam, que o
espaço não seja ocupado por matéria, portanto a matéria se moverá no sentido de
preencher qualquer espaço vazio. Este é um exemplo de uma explicação
teleológica, ou seja, se baseia nas causas finais. Um dos principais objetivos
da nova filosofia mecânica do século XVII era de eliminar esse tipo de
explicação teleológica, e explicar os fenômenos em termos de causas físicas
imediatas. A teoria aristotélica parecia bastante fraca nesse caso particular:
Mesmo que as pessoas aceitassem que a natureza tem horror ao vácuo, alguns
achariam difícil explicar por que esse horror só é suficiente para elevar água
a uma altura de aproximadamente 10 m.
Veremos,
a partir de agora, como começaram a surgir as explicações referentes a este e
outros problemas e que acabaram por culminar no abandono das explicações
aristotélicas em favor de uma teoria mais bem elaborada do ponto de vista
científico.
3. A queda do
horror ao vazio e o surgimento de uma nova Física
3.1 Evangelista
Torricelli
Figura 1: Evangelista Torricelli
(1608-1647
3.1.1 Quem foi
Evangelista Torricelli?
Evangelista Torricelli
nasceu em 15 de outubro de 1608 em Faenza, perto de Modigliana, que então
integrava os Estados Pontifícios. Formou-se no colégio jesuíta de sua cidade e,
na Universidade de Roma, foi aluno de Bonaventura Cavalieri. Em 1641 escreveu um
tratado sobre mecânica, De motu gravium
naturaliter descendentium et proiectorum (Sobre o movimento dos corpos
pesados naturalmente descendentes e projetados), brilhante comentário ao
terceiro diálogo dos discursos de Galileu. No mesmo ano, foi convidado a
radicar-se em Florença para trabalhar como secretário e assistente de Galileu,
função que exerceu por apenas três meses devido à morte do astrônomo. Foi então
nomeado para substituir o mestre como matemático do grão-duque da Toscana e
professor de matemática da academia florentina. Torricelli morreu em Florença,
em 25 de outubro de 1647.
3.1.2 Suas contribuições
Torricelli
percebeu que a atmosfera exerce uma pressão sobre a superfície da Terra, coisa
que já era afirmada por vários de seus predecessores, e suspeitou que fosse
devido a essa pressão que as bombas se mostravam incapazes de elevar água acima
de uma determinada altura, essa pressão do ar seria suficiente para explicar o
fenômeno até então atribuído ao fato de a natureza ter horror ao vácuo. Se a bomba
era capaz de elevar água até uma altura de aproximadamente 10 metros, o que
aconteceria se um líquido de maior densidade fosse utilizado? Torricelli
percebe que o mercúrio, um líquido cerca de quatorze vezes mais denso que a
água seria mais interessante para experimentos laboratoriais. De fato a mesma
bomba que era capaz de elevar água a uma altura de aproximadamente 10 m, só
elevava o mercúrio a 0,76 m.
A fim de provar suas teorias a
respeito do peso do ar e da pressão atmosférica, Torricelli idealiza um
experimento bastante interessante, que veio a ser conhecido como o barômetro de
Torricelli. O instrumento consistia em um tubo de vidro de comprimento superior
a 0,76 m, aberto em uma extremidade e selado na outra; uma cuba; e mercúrio
suficiente para preencher o tubo e a cuba. O tubo era então cheio até a borda,
a extremidade aberta era fechada com o dedo e então o tubo era virado de cabeça
para baixo dentro da cuba, removendo-se o dedo. Observava-se que o mercúrio do
tubo corria para dentro da cuba, mas somente até que a diferença entre o nível
do tubo e o da cuba fosse de aproximadamente 0,76 m.
Figura 2: Barômetro de Torricelli. A coluna de mercúrio no tubo é
balanceada pela pressão da atmosfera sobre a superfície de mercúrio na cuba.
Geralmente a altura da coluna de mercúrio é de aproximadamente 760 mm ao nível
do mar.
O resultado é mostrado na figura 2.
Obtêm-se, assim, na parte superior do tubo, um espaço vazio que aparentemente
não é ocupado por nenhuma matéria. Torricelli repete então o experimento, mas
agora utilizando um tubo que possuía um bulbo mais largo, criando um espaço
vazio mais amplo, onde pequenos objetos se moviam mais rapidamente.
Figura 3: Torricelli realizando
experimentos com o barômetro
De
acordo com Torricelli, a força que mantinha a coluna de mercúrio elevada no
tubo era simplesmente a pressão atmosférica, transmitida através do mercúrio na
cuba. O ar pressiona a superfície do mercúrio na cuba, e como praticamente não
existe gás no espaço vazio no topo do tubo, o mercúrio desce pelo tubo, mas
somente até o ponto em que seu peso equilibre a força exercida pelo ar sobre a
superfície de mercúrio na cuba. Torricelli realiza, então, diversas vezes o
experimento, utilizando tubos de diversos tamanhos e formatos, largos, finos,
com bulbos grandes e pequenos. Acaba chegando a conclusão de que a altura da
coluna de mercúrio no tubo é independente da largura do tubo ou de quanto
mercúrio se encontra na cuba. De fato, podemos analisar a situação
matematicamente e mostrar que a altura da coluna realmente independe da área,
se usarmos uma linguagem que nos é mais familiar.
Sabemos
que a pressão(P), é definida como sendo uma força(F), que atua sobre
determinada área(A), ou seja:
P = F/A (1)
Para
o nosso caso, a força é o próprio peso da coluna de líquido no tubo.
Portanto;
F
= m.g (2)
Em
que m é a massa da coluna do líquido e g é a aceleração da gravidade.
Podemos
expressar a massa do líquido em função de sua densidade, se V for o volume
ocupado pelo líquido, a saber:
O volume de líquido no tubo pode ser expresso como sendo a área da
secção reta do tubo vezes a altura da coluna. Portanto, podemos escrever a
massa como sendo dada pela relação:
m = d.A.h (4)
De
(4) em (2), temos:
F
= d.A.h.g (5)
de
(5) em (1), e eliminando as áreas,
temos, finalmente.
P
= d.g.h (6)
Portanto,
usando uma notação moderna, é fácil demonstrar que realmente a pressão
independe da área. Em outras palavras, quando a pressão produzida pela coluna
de líquido no tubo se iguala a pressão atmosférica, ela independe da largura do
tubo, dependendo somente da altura da coluna.
Os
experimentos de Torricelli com o barômetro sem dúvida representaram um papel
fundamental na refutação da teoria
aristotélica do horror ao vácuo, pois evidenciava a existência da pressão
atmosférica como explicação para o problema com as bombas de sucção, e não um
horror fictício ao vazio. Além disso, mostrava ser possível a existência de um
espaço vazio, o que era veementemente negado pela teoria aristotélica.
Mesmo
com os resultados obtidos por Torricelli, uma grande parte da comunidade
científica da época permaneceu receosa com relação à sua aceitação, pois vinha
de encontro com tudo que se acreditava até então. De qualquer modo, os
experimentos realizados por Torricelli tiveram um papel fundamental, e acabaram
por desencadear uma grande revolução no conhecimento referente á pressão
atmosférica e a possibilidade do vácuo.
3.2 Blaise
Pascal
3.2.1 Quem foi Blaise
Pascal?
Em 19 de junho de 1923, em Clermont-Ferrand, nasce
Blaise Pascal, filho de Etienne Pascal e de Antoinette Bégon. Perde a mãe
bastante jovem e, sendo o único filho homem, recebe total dedicação do pai no que
diz respeito à sua educação. Pascal demonstra um grande talento para a
matemática, descobrindo por si só muitos dos tratados apresentados no livro dos
elementos de Euclides. Etienne, ao ver que o filho havia descoberto a
matemática por si só, presenteia o filho com os livros de Euclides, que em
pouco tempo os domina e aos dezesseis anos escreve um tratado sobre as cônicas.
3.2.2 Suas
contribuições:
As
descobertas feitas na Itália, em especial por Evangelista Torricelli, não foram
divulgadas abertamente na época, pois envolviam assuntos delicados que
contrariavam a opinião geral, ou seja, as doutrinas aristotélicas. Também vale
lembrar que o fantasma da inquisição ainda pairava, tornando os pesquisadores
receosos. Pascal toma conhecimento dos experimentos realizados na Itália
através de Pierre Petit, que realiza o experimento do barômetro em Rouen no ano
de 1646, na presença dos dois pascal, pai e filho. Após presenciar o
experimento, Pascal passa a se dedicar arduamente ao assunto, realizando
diversos outros experimentos envolvendo seringas, foles, tubos de diversos
formatos e dimensões e diversos tipos de líquidos diferentes, como: água, vinho
e mercúrio.
Figuras 5 e 6: Aparatos utilizados por Pascal na
realização dos experimentos relativos ao vácuo
Em 15 de novembro de 1647, Pascal escreve uma carta ao seu cunhado, Florin Périer, carta esta que se encontra nos tratados publicados por Pascal, abaixo segue uma pequena transcrição da carta(Carta completa nos apêndices):
[...] Eu imaginei
uma prova que — se for corretamente executada — por si só será suficiente para
esclarecer aquilo que procuramos [...] Trata-se de fazer a já conhecida
experiência do vácuo, inúmeras vezes num mesmo dia — usando o mesmo recipiente
e o mesmo mercúrio — tanto na planície como no alto de uma montanha, para
verificar se a altura do mercúrio em suspensão no tubo é igual ou diferente
nas duas situações. Como você pode ver, a experiência é decisiva. Se a altura
da coluna de mercúrio for menor no alto da montanha (tenho uma série de razões
para acreditar que seja) se concluirá necessariamente que o peso do ar é a
única causa do fenómeno e não o horror ao vácuo. E lógico que o peso do ar no
pé da montanha é maior do que no alto, a não ser que se diga que a natureza
abomina mais o vácuo na planície.
Como
mencionado na carta, Pascal pede para que seu cunhado realize o experimento
comum do vácuo várias vezes, mas em altitudes diferentes, ou seja, ora na base
de uma montanha e ora no cume: o objetivo era observar se havia diferença na
altura da coluna de mercúrio. Esperava-se que na base da montanha a altura da
coluna de mercúrio fosse maior do que no cume, pois na base existe uma maior
quantidade de ar pressionando a cuba, equilibrando mais facilmente a coluna. Na
época especula-se que Pascal não estava certo a respeito da causa de a coluna
de mercúrio não descer inteiramente para a cuba. O que é mais provável é que Pascal
acreditasse que o vácuo produz uma espécie de sucção que mantinha a coluna de
mercúrio e até então não atribuísse o efeito ao peso do ar. O experimento que
Pascal pede para que seu cunhado realize seria uma forma de provar, de uma vez
por todas, qual era a teoria verdadeira, pois se fosse realmente o peso do ar
deveria haver diferença na altura da coluna entre a base e o cume da montanha.
A experiência aconteceu em 19 de setembro de 1648 na montanha Puy-de-Dôme e
realmente foi constatado que a coluna de mercúrio era mais elevada na base da
montanha do que em seu cume. O relato de Périer foi recebido com satisfação por
Pascal, conforme indica correspondência que este enviou ao cunhado: “Esse
relato esclarece todas as minhas dificuldades e eu não escondo o fato de que eu
fiquei extremamente feliz com isso” (MAGIE, 1969, p.75).
Figura
7: Périer e alguns amigos realizando o “experimento decisivo” a pedido de
Pascal.
Desta
forma, a existência da pressão atmosférica deixava de ser uma hipótese, para tornar-se
um fato demonstrado experimentalmente. Em outubro, o próprio Pascal repetiria a
prova na torre de Saint Jacques, em Paris.
Apenas
quatro anos decorreram desde a experiência de Torricelli até a de
Pascal. No entanto, nesse curto espaço de tempo, graças ao novo método, o de
procurar a explicação para os fenômenos naturais na própria natureza, a Ciência
progrediu enormemente.
Da experiência no Puy de
Domê Pascal tirou algumas consequências marcantes. Concluiu, por exemplo, que
com o uso do barômetro de mercúrio “é possível saber se dois lugares distam
igualmente do centro da Terra, ou qual o mais alto e qual o mais baixo”. Pela
primeira vez era formulado o princípio da determinação de altitudes por nivelamento
barométrico.
Existem
diversas discussões relativas à origem da ideia a respeito do experimento
anteriormente citado. Segundo alguns historiadores, o experimento não foi
idealizado por Pascal e sim por Descartes, tendo este, sugerido a Pascal que
realizasse o experimento de modo a verificar a veracidade das teorias relativas
á pressão atmosférica. Pascal, no entanto, não dá crédito algum a Descartes,
utilizando a idéia como se fosse de sua própria autoria.
3.3
Otto Von Guericke
Figura 8: Otto Von Guericke
(1602-1686)
3.3.1 Quem foi Otto Von Guericke?
Otto Von Guericke nasceu
Otto Gericke em 20 de novembro de 1602, como filho de uma família patrícia,
residente em Magdeburgo durante três séculos. Aos 15 anos de idade ingressa na
faculdade de artes da Universidade de Lípsia. Após isso estudou em Helmstedt e
Jena. Em Leiden, Holanda, estudou matemática e começou a trabalhar com
problemas de engenharia. Em 1631, foi indicado como engenheiro construtor para
ajudar a reconstruir Magdeburgo depois de esta ter sido severamente danificada
durante os trinta anos de guerra. Em 1646 foi eleito prefeito de Magdeburgo,
cargo que manteve até 1678. Em quatro de janeiro, 1666, Otto Gericke foi
elevado á nobreza pelo imperador Leopold I, em reconhecimento por suas
contribuições politicas e cientificas, e após isso passa a ser chamado Otto Von
Guericke. Em 1681 deixa Magdeburgo e se muda para viver com o filho em
Hamburgo, onde morre em 11 de maio de 1686.
3.3.2 Suas contribuições:
Após os experimentos de
Torricelli e Pascal a respeito do peso do ar e pressão atmosférica, vários
outros pesquisadores desenvolveram trabalhos frutíferos na área. Dentre eles,
Otto Von Guericke desenvolveu a primeira bomba de ar no ano de 1650. Embora
suas primeiras bombas de ar não fossem muito eficientes, elas eram capazes de
demonstrar a capacidade de a atmosfera realizar trabalho. Assim, Von Guericke
refutou definitivamente a noção de que era impossível existir o vácuo.
A primeira bomba de
evacuação de Von Guericke trabalhava com um pistão e era capaz de esvaziar
recipientes inteiros. Ele iniciou seus experimentos com a bomba utilizando
barris de cerveja e vinho cheios de água, mas percebeu que quando a água era
bombeada para fora, o ar entrava no barril através dos poros da madeira,
impedindo que o recipiente fosse esvaziado. O trabalho de Guericke utilizando
barris é retratado na figura abaixo:
Figura 9: Primeira bomba de ar de Von
Guericke, sendo usada para extrair água do barril.
http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTEnpxoa9O-IZwIFkMMiHJ0I2pZ2GlnB0wyMKXTHuJ7Rkc73tN9nBFqZ8ve – 21/09/2016
http://t3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTEnpxoa9O-IZwIFkMMiHJ0I2pZ2GlnB0wyMKXTHuJ7Rkc73tN9nBFqZ8ve – 21/09/2016
Von Guericke da
continuidade aos seus experimentos utilizando esferas feitas de cobre ou
bronze, feitas cuidadosamente, de forma que se encaixassem perfeitamente. A
princípio, os experimentos eram realizados enchendo-as com água e,
posteriormente, com ar. A água ou ar era bombeada para fora com sua bomba,
criando no interior da esfera um vácuo. Em seus inúmeros experimentos evacuando
ar de recipientes, ele demonstrou que, no interior destes recipientes, um sino
tocando não poderia ser ouvido, que velas não queimavam, e que diferentes
espécies de pássaros e peixes não podiam sobreviver sob pressão muito baixa.
Usando esferas de bronze ocas e a bomba de ar de sua própria construção,
demonstrou que um vácuo parcial podia ser criado bombeando o ar para fora da
esfera, como retrata a figura abaixo.
A respeito dos
experimentos de Von Guericke é representativa uma passagem do livro Ottonis de Guericke Experimenta nova (ut
vocantur) magdeburgica, no qual, o mesmo relata seus experimentos.
Depois que a
porosidade da madeira foi atestada pela minha inspeção, assim como pela
investigação, pareceu-me que para os meus propósitos uma esfera de cobre [...]
seria mais adequada. Essa esfera [...] foi equipada com uma torneira de latão
na parte superior [...]; e na parte inferior a bomba foi introduzida e fixada a
ela. Então eu novamente comecei, como antes, a retirar dela toda água e ar. Primeiramente,
o pistão se moveu facilmente, mas logo se tornou mais difícil movê-lo, de forma
que dois homens fortes tinham dificuldade para movê-lo. [...] quando eu já
pensava que quase todo o ar tivesse sido retirado, repentinamente com um forte
barulho e para grande espanto nosso, a esfera de metal foi esmagada como uma
roupa pode ser apertada entre os dedos, ou como se a esfera tivesse sido
arremessada do alto de uma torre sofrendo um choque violento. Pensei que a
causa disso fosse a inabilidade dos artesãos, que talvez não tivessem feito
essa esfera perfeitamente esférica. [...] Foi então necessário que os artesãos
fizessem uma esfera perfeitamente redonda. Dessa esfera o ar foi bombeado, no
início com facilidade e depois com mais dificuldade. [...] Quando abrimos a
torneira superior [...], o ar entrou com tal força que parecia que a esfera de
cobre seria capaz de dragar um homem que estivesse diante dela [...]. Embora a
esfera parecesse completamente vazia [repetiu-se o procedimento com a bomba],
ainda assim a experiência mostrou que quando deixada por um ou dois dias, ela
novamente se enchia de ar. [...]. Era, então, necessário evitar esse defeito
[...]. (MAGIE, 1969, p. 82-83).
Em 8 de maio de 1654, Von
Guericke apresentou seu primeiro experimento relativo ao vácuo perante o
imperador, Ferdinand III (1608-1657). Ele demonstrou a tremenda força exercida
pela pressão atmosférica, e o fez bombeando o ar para fora de dois hemisférios
de cobre perfeitamente encaixados e mostrando que duas parelhas de cavalos eram
incapazes de afastar os dois hemisférios até o momento em que o ar fosse
readmitido.
Figura 11: Os conhecidos
“hemisférios de Magdeburgo”.
No ano de 1657, a
demonstração de Von Guericke foi repetida na corte do imperador em Viena e
novamente em Berlin. Dois hemisférios de bronze, cada um com aproximadamente 50
cm de diâmetro, foram unidos e um vácuo foi produzido entre eles. Nem mesmo a
força combinada de 30 cavalos puxando em direções opostas foi suficiente para
separar as duas partes. Von Guericke, que inicialmente não queria publicar seus
resultados, foi motivado a escrever a respeito de seus experimentos pelo
crescente interesse público. Terminou seu livro Experimenta Nova Magdeburgica De Vacuo Spatio em 1663. No entanto,
levou outra década até que fosse publicado. Abaixo, imagem da capa do livro
publicado por Von Guericke em 1663.
Figura
12: Capa do livro “Experimenta Nova(ut vocantur) Magdeburgica De Vacuo Spatio”.
O livro de 301 páginas consistia de 7
capítulos lidando com os seguintes tópicos: 1) O mundo e sua estrutura; 2)
Espaço vazio; 3) Meus próprios experimentos; 4) Os efeitos cósmicos; 5) O
planeta azul e sua composição, a lua; 6) Nosso sistema solar; 7) As estrelas
fixas e os seus limites. Ele descreveu cerca de 37 experimentos no capítulo 3.
Este livro foi uma contribuição científica significativa para a comunidade
científica do século XVII, aumentando o conhecimento da física atmosférica e da
fisiologia em altas altitudes. A invenção de Von Guericke da primeira bomba de
ar, em 1650, possibilitou a pesquisa em tópicos relacionados a baixas pressões
e foi importante para os estudos posteriores em altas altitudes.
Sem
dúvida, os trabalhos realizados por Von Guericke representaram outro grande baque
para os aristotélicos, pois seus experimentos diziam como a natureza não
possuía horror nenhum ao vazio e nem fazia força nenhuma para evitá-lo, a única
causa explicadora dos trabalhos realizados por Von Guericke era o peso do ar e
a pressão atmosférica.
3.4 Robert Boyle
Figura 12: Robert Boyle (1627 – 1691)
3.4.1 Quem foi Robert Boyle:
Robert Boyle nasceu no castelo de Lismore,
na Irlanda, a 25 de janeiro de 1627. Era o sétimo dos catorze filhos
do duque de Cork, homem abastado, senhor de terras e membro influente da corte.
Sua educação foi primorosa. Ainda criança aprendeu o latim e o francês e, com
apenas oito anos, foi mandado para Eton, escola tradicional, frequentada pelos
filhos das mais afortunadas famílias inglesas. Ali permaneceu até 1638,
quando, em companhia de um tutor francês, partiu em viagem pela Europa. O
roteiro incluía uma estada em Florença (de 1641 a 1642), onde o jovem inglês
assistiu aos últimos anos da vida de Galileu Galilei, tendo ocasião de estudar
de perto "os paradoxos do grande espectador de estrelas". Pôde, desta
forma, assimilar sua posição crítica perante a filosofia aristotélica e
adquiriu com ele a certeza de que a experiência é a fonte clara e pura dos
conhecimentos científicos. De volta à Inglaterra, viveu em Londres, onde fez
parte de um círculo de amigos que tratava de assuntos científicos. Boyle se referia
ao grupo como os “colegiados invisíveis” (invisible college) , grupo este que
mais tarde se tornou a Royal Society, em 1662. Boyle se mudou para Oxford em
1654, indo morar em uma casa perto da Universidade, onde uma placa no muro
ainda pode ser encontrada.
3.4.2 Suas
contribuições:
Robert Boyle inicia seus experimentos
relacionados ás propriedades do ar após tomar conhecimento dos experimentos de
Von Guericke, reportados em um livro escrito por Gaspar Schott em 1657. Logo
percebeu que o aparato utilizado por Von Guericke tinha duas sérias
deficiências, a mais importante era que o recipiente evacuado não podia ser
facilmente aberto, e portanto era impossível colocar alguma coisa em seu
interior, a fim de realizar experimentos. Outro problema era que a bomba de
Guericke possuía uma eficiência muito baixa, pois requeria o trabalho contínuo
de dois homens fortes, por diversas horas. Obviamente, Boyle almejava algo mais
conveniente que isso. Como indicado anteriormente, o livro de Gaspar Schott,
pelo qual Boyle teve acesso aos experimentos de Guericke, foi publicado no ano
de 1657, e, por volta de 1659, Boyle já tinha uma bomba de ar construída e
estava pronto para conduzir seus experimentos. A bomba foi projetada e
construída por Robert Hooke (1635-1703), que foi um gênio da mecânica. Boyle
fez contribuições em diversos campos da ciência, e seus experimentos e
resultados vieram á luz em seu livro de título “New Experiments Physico-Mechanicall, Touching the Spring of the Air,
and its Effects” e que foi publicado no ano de 1660. Abaixo segue-se uma
imagem da página de título de seu livro de 1660.
Figura 13: Página de título do livro de
1660.
No livro publicado por
Boyle em 1660 além de descrever seus experimentos e resultados, ele descreve
detalhadamente o processo de construção de sua bomba de ar. De fato, as
primeiras 19 páginas de seu livro são dedicadas à descrição da bomba. Abaixo
seguem duas imagens referentes à bomba de Boyle, a primeira retirada de seu
próprio livro, e a segunda, é uma reconstrução moderna da bomba.
Figura
14: Bomba de ar de Boyle, projetada e construída por Robert Hooke.
Com sua bomba, Boyle
conduziu um grande número de experimentos. Realizou experimentos envolvendo
fisiologia, nos quais comprovava que animais impostos a baixas pressões não
sobreviviam, experimentos relativos às propriedades do ar, tais como sua
elasticidade e peso, e também verificou que uma vela não queimava em condições
de pressão muito baixas, embora não soubesse explicar a causa. Boyle imaginava
que, ao reduzir-se a pressão, a chama da vela deveria tornar-se maior. Além
disso, realizou variantes dos experimentos realizados por Evangelista Torricelli.
Estas variantes dos experimentos de Torricelli consistiam em realizar os mesmos
experimentos feitos pelo italiano, mas utilizando a bomba de ar para verificar
as alterações que ocorreriam na coluna de mercúrio. Através de seus
experimentos, Boyle verificou que, quando o ar era removido, o nível do
mercúrio no tubo diminuía, comprovando que realmente o que sustenta a coluna de
mercúrio é a pressão de ar atuando na cuba. Boyle também realiza o processo
reverso. Aumentando a pressão no interior do recipiente, constatou que a coluna
de mercúrio subia, devido a uma maior pressão atuando na cuba. Sem dúvida, uma
de suas maiores contribuições diz respeito á formulação da lei de Boyle, que
trata da relação inversa entre pressão e volume. Seus resultados referentes a
este tema encontram-se na segunda edição de seu livro de 1660, publicado dois
anos depois, em 1662 “New Experiments Physico-Mechanical,
Touching the Air: Whereunto is Added A Defence of the Authors Explication of
the Experiments, Against the Objections of Franciscus Linus, and Thomas Hobbes”,
que se tratou de um livro publicado como resposta as objeções levantadas por
Linus com relação aos resultados obtidos por Boyle concernentes ao peso do ar.
Linus argumentava que alguma coisa invisível sobre o mercúrio deveria ser
responsável por sua sustentação, e que o ar não poderia ser responsável por
exercer tamanha força a ponto de sustentar a coluna de mercúrio no barômetro.
Boyle idealiza, então, um novo experimento no intuito de comprovar seus
resultados anteriores. Neste novo experimento, Boyle utiliza um tubo de vidro
em forma de J, com o lado maior medindo cerca de 2,44 m, enquanto o lado menor
media cerca de 30,5 cm e era selado na extremidade. Escalas feitas de papel
foram afixadas aos dois lados do tubo, para que medidas de volume pudessem ser
realizadas. Após isso, mercúrio foi adicionado ao tubo pelo lado maior, até que
o nível nos dois lados do tubo fosse o mesmo. Em parte do tubo menor restou
certa quantidade de ar aprisionada e como o nível de mercúrio nos dois lados do
tubo era o mesmo, era possível afirmar que a pressão nos dois lados havia se
igualado, ou seja, a pressão exercida pela pequena porção de ar confinada no
lado menor do tubo era igual á pressão exercida pela atmosfera no lado maior. Anotado
o volume de ar aprisionado no lado menor, mais mercúrio passou a ser adicionado
ao lado maior, de modo que o peso da coluna de
mercúrio do lado maior causava uma compressão sobre o volume de ar aprisionado
no lado menor. Foi adicionado mercúrio até que o volume de ar aprisionado fosse
exatamente à metade do volume inicial. Após isso, verificou-se que a diferença de altura nas duas colunas de
mercúrio era de exatamente 0,76 m, que sabemos ser aproximadamente a medida da
pressão atmosférica. Abaixo segue uma imagem para ajudar na compreensão do
experimento realizado por Boyle, e que possibilitou a obtenção de sua Lei.
Figura 16: Experimento realizado por
Boyle, que permitiu a obtenção de sua Lei.
Boyle ficou extremamente satisfeito com os
resultados obtidos, pois ele sabia que a pressão extra exercida pela coluna de
mercúrio no lado maior do tubo era igual á uma pressão atmosférica extra,
portanto, o ar confinado do lado menor reduziu seu volume a metade ao mesmo
tempo em que dobrou a pressão exercida. Boyle repetiu o experimento diversas
vezes e de diversas maneiras, obtendo assim uma relação entre pressão e volume.
Ficou então estabelecida a Lei de Boyle:
PV
= constante
Os dados obtidos por
Boyle foram anotados em uma tabela,
abaixo segue imagem da tabela onde Boyle anotou os dados de seu experimento:
Figura
17: Dados obtidos por Boyle, a coluna A é referente ao volume e E se trata da
pressão, as unidades utilizadas não são conhecidas.
Os trabalhos de Boyle vieram para
confirmar tudo aquilo que estava sendo dito e gradativamente provado acerca de
conceitos como o peso do ar e a pressão atmosférica, afastando cada vez mais as
concepções aristotélicas e auxiliando no estabelecimento deste novo paradigma.
4.
Considerações
finais
A partir das
informações históricas aqui presentes espero que muitas aulas possam ser
elaboradas e novas metodologias aplicadas em sala de aula. Sabemos da
dificuldade de se pensar fora da caixinha, sair da rotina, jogar fora os planos
de aula velhos, mas se queremos ver mudança devemos fazer nossa parte.
A experiência que
tive com a aplicação da proposta foi bastante positiva, os alunos se portaram
de maneira bastante diferente da convencional, alunos conhecidos por serem agitados
e perdidos durante as aulas se mostraram interessados e compenetrados afim de
compreender como a ciência é construída, atribuo isso ao fato de os alunos
terem sido desafiados o tempo todo através de questionamentos que lhes
estimulava a pensar. A aplicação do
pré-teste teve papel fundamental no estimulo dos alunos para as aulas que
viriam, as perguntas eram relativamente simples e os alunos se viram surpresos
ao notar que não eram capazes de responder a elas, ou se eram, tinham bastante
dúvida com relação as suas próprias concepções. Esse pontapé inicial criou uma
expectativa nos alunos, expectativa de descobrir as respostas para os simples
questionamentos levantados, foi feito um trabalho para que os alunos se
sentissem literalmente desafiados.
A aplicação do
material histórico foi feita de modo a promover novas reflexões por parte dos
alunos, de modo a confrontarem suas próprias concepções com relação as
respostas dadas no teste realizado, notava-se argumentação entre os alunos e
também entre alunos e professor. Ao final de cada aula sempre foi dado um
momento para discussão e reflexão a respeito do que havíamos aprendido naquele
dia, se eles mudariam se possível alguma resposta dada no teste. Cada dia podia sentir que novo conhecimento
havia sido agregado e isso foi bastante recompensador. Ao final da aplicação da
proposta, em uma discussão final, pude notar o quanto os alunos haviam evoluído
em sua compreensão do tema abordado e através da reaplicação do pré-teste pude
de fato atestar a eficácia da proposta pedagógica utilizada.
A metodologia está
posta, o material histórico reunido, precisamos agora de um pouco de força de
vontade e fé de que a utilização da história da Ciência como ferramenta
pedagógica de fato apresenta potencial de facilitar a construção do
conhecimento por parte dos alunos.
Anexos
As cartas abaixo foram
retiradas dos tratados físicos de Blaise Pascal, traduzido para o português por
Roberto de Andrade Martins e publicado em: Cadernos de História e Filosofia
da Ciência [série 2] 1 (3 – número especial): 49-168, 1989.
CÓPIA DA CARTA DO
SENHOR PASCAL, O JOVEM, AO SENHOR PÉRIER, DE 15 DE NOVEMBRO DE 1647.
Senhor,
Eu não interromperia o trabalho contínuo no qual vós estais
empenhado para vos entreter com meditações físicas se não soubesse que elas servirão
para descansá-lo em vossas horas de lazer e enquanto que outros seriam
atrapalhados por elas, vós vos divertireis. Sinto pouca dificuldade nisso, pois
sei o prazer que tendes nesse tipo de entretenimento. Essa não será senão uma
continuação daquelas que fizemos juntos com relação ao vazio. Sabeis qual é o
sentimento dos filósofos sobre esse assunto: todos adotaram como máxima que a
natureza tem horror ao vazio; e quase todos, indo mais adiante, sustentaram que
ela não pode aceitá-lo e que ela preferiria destruir-se a si mesma do que
aceitá-lo. Assim as opiniões se dividiram; uns se contentaram em dizer que ela
tinha apenas horror, outros mantiveram que ela não poderia aceitá-lo.
Trabalhei, em meu Resumo do tratado do
vazio, para destruir essa última opinião e creio que as experiências que lá
relatei são suficientes para fazer ver claramente que a natureza pode aceitar
de fato um espaço, tão grande quanto se queira, vazio de todas as matérias por
nós conhecidas e que são perceptíveis a nossos sentidos. Trabalho atualmente
examinando a verdade da primeira e procurando experiências que façam ver se os
efeitos que são atribuídos ao horror ao vazio devem realmente ser atribuídos a
esse horror ao vazio, ou se deve sê-lo ao peso e pressão do ar; pois, para
mostrar claramente meu pensamento, tenho dificuldade em acreditar que a
natureza que não é animada, nem sensível, seja capaz de sentir horror, pois as
paixões pressupõem uma alma capaz de senti-las e inclino-me maiz a atribuir todos
esses efeitos ao peso e pressão do ar, pois não os considero senão casos
particulares de uma proposição universal do equilíbrio dos líquidos, que deve
tomar a maior parte do tratado que prometo. Não é que eu não tivesse esses
mesmo pensamentos quando produzi o meu resumo; e, no entanto, à falta de
experiências convincentes, eu não ousava então (e não ouso ainda) afastar-me da
máxima do horror ao vazio e eu próprio empreguei essa máxima em meu resumo: não
tendo então outro propósito senão de combater a opinião daqueles que
sustentavam que o vazio é absolutamente impossível e que a natureza preferiria
sofrer destruição do que aceitar o menor espaço vazio. De fato, não considero
que nos seja permitido afastar-nos a não ser das máximas que recebemos da
antiguidade por pouco que seja se formos obrigados a isso por provas
indubitáveis e invencíveis. Mas nesse caso considero que seria uma extrema
fraqueza ter o menor escrúpulo e que enfim devemos ter maior veneração pelas verdades
evidentes do que obstinação pelas opiniões recebidas. Eu não teria um meio
melhor para vos testemunhar a circunspecção que sempre trago antes de me
afastar das antigas máximas, do que lembrar-vos a experiência que fiz esses
dias atrás em vossa presença com dois tubos um dentro do outro que mostra
aparentemente o vazio dentro do vazio. Vós vistes que o mercúrio do tubo
interior permanecia suspenso à altura na qual se mantém pela experiência
ordinária, quando era contrabalançado e pressionado pelo peso da massa inteira
do ar e que, ao contrário, ele cai completamente sem que lhe reste altura nem
suspensão, quando, por meio do vazio do qual ele foi cercado, ele não é mais
pressionado nem contrabalançado por nenhum ar, tendo ele sido retirado de todos
os lados. Vós vistes em seguida que essa altura ou suspensão do mercúrio aumentava
ou diminuía à medida que a pressão do ar aumentava ou diminuía e que enfim
todas essas diversas alturas ou suspensões do mercúrio, encontravam-se sempre
proporcionais à pressão do ar.
Certamente, depois dessa experiência, poderíamos ser
persuadidos de que não é o horror do vácuo, como o supomos, que causa suspensão
do mercúrio na experiência ordinária, mas apenas o peso e pressão do ar que
contrabalança o peso do mercúrio. Mas, já que todos os efeitos dessa última experiência
de dois tubos, que se explicam tão naturalmente apenas pela pressão e peso do
ar, podem ainda ser explicados de forma igualmente provável pelo horror do
vazio, mantenho-me nessa antiga máxima, estando no entanto resolvido a procurar
o total esclarecimento dessa dificuldade por uma experiência decisiva. Imaginei
uma que sozinha poderá ser suficiente para nos proporcionar a luz que procuramos,
se ela puder ser executada de modo correto. É de fazer a experiência ordinária
do vazio várias vezes no mesmo dia, em um mesmo tubo, com o mesmo mercúrio,
tanto na base como no topo de uma montanha, que tenha altura de pelo menos 500
ou 600 toesas, para verificar se a altura do mercúrio suspenso no tubo se
encontrará semelhante ou diferente nessas duas situações. Vedes já, sem dúvida,
que essa experiência é decisiva da questão e que, se ocorrer que a altura do
mercúrio é menor no alto do que embaixo d amontanha ( como tenho muitas razões
para crer, embora todos os que meditaram sobre esse assunto sejam contrários a
esse sentimento), seguir-se-á necessariamente que o peso e pressão do ar são a
única causa dessa suspensão do mercúrio e não o horror ao vácuo, pois é bem
certo que existe muito mais ar que pesa sobre o pé da montanha do que em seu
cume; no entanto não se poderia dizer que a natureza no pé da montanha tem
maior horror ao vazio do que em seu topo.
Mas como ordinariamente a dificuldade se encontra unida as
grandes coisas, vejo muitas na execução desse projeto, pois é preciso para isso
escolher uma montanha excessivamente alta, próxima de uma cidade na qual se
encontre uma pessoa capaz de dar a esse teste toda a exatidão necessária. Pois,
se a montanha estiver afastada, será difícil aí levar os recipientes, mercúrio,
os tubos e muitas outras coisas necessárias, realizar essas viagens penosas
tantas vezes quanto for preciso, para encontrar no alto das montanhas o tempo
sereno e cômodo, que não ocorre a não ser ás vezes. E como é igualmente raro
tanto encontrar pessoas fora de Paris que tenham essas qualidades quanto
lugares que tenham essas condições, considerei-me feliz de ter, nessa ocasião,
encontrado a ambos, pois nossa vila de Clermont esta ao pé da grande montanha
do Puy de Dôme e espero que por vossa bondade vós me dareis a graça de desejar
fazer vós mesmos essa experiência; estando certo disso, deixei todos os
curiosos de Paris na expectativa, entre eles o reverendíssimo padre Mersenne,
que já se comprometeu através de cartas escritas para a Itália, a Polônia, a
Suécia, Holanda, etc., de participá-la aos amigos que ele adquiriu por seus
méritos. Não descrevo os modos de executá-la, pois sei bem que vós não
omitireis nenhuma das circunstâncias necessárias para fazê-la com precisão.
Rogo-vos apenas que seja feito o mais rápido possível e que
perdoeis essa liberdade à qual sou obrigado pela impaciência que tenho em
informar o seu sucesso, sem o qual não poderia dar os ultimos retoques ao
tratado que prometi ao público, nem satisfazer o desejo de tantas pessoas que o
aguardam e que vos serão infinitamente gratas. Não é que eu queira diminuir meu
reconhecimento pelo número daqueles que o partilharão comigo, pois desejo, ao
contrário, tomar parte daquele que eles vos terão e permanecer ainda mais,
Senhor,
Vosso muito humilde e muito obediente servidor,
Pascal.
De Paris, 15 de novembro de 1647.
CARTA DO SENHOR PÉRIER AO SENHOR
PASCAL, O JOVEM
De 22 de setembro de 1648
Senhor,
Enfim fiz a experiência que
esperais a tanto tempo. Eu vos teria dado essa satisfação mais cedo; no
entanto, fui impedido, tanto pelas tarefas que tive em Bourbonnais, quanto por
causa de que, pelas neves ou neblinas que, desde a minha chegada, cobriram
tanta a montanha do Puy de Dôme onde eu deveria fazê-la, que, mesmo nessa
estação que é a mais bela do ano, tive dificuldade em encontrar um dia no qual
se pudesse ver o cume dessa montanha, que se encontra ordinariamente dentro das
nuvens e às vezes acima, embora ao mesmo tempo fizesse um bom tempo no campo:
de modo que não fui capaz de reunir minha comodidade com a da estação antes do
dia 19 desse mês. Mas a felicidade com a qual a fiz nesse dia me consolou
plenamente do pequeno desprazer que me haviam dado tantos atrasos, que não fui
capaz de evitar.
Forneço-vos aqui uma descrição
ampla e fiel, onde vereis a precisão e os cuidados que lhe dei, aos quais
considerei adequado reunir também a presença de pessoas tão sábias quanto acima
de qualquer crítica, a fim de que a sinceridade de seu testemunho não deixasse
nenhuma dúvida da certeza da experiência.
Relatório da experiência feita
pelo Senhor Périer
O dia de sábado ultimo, dia 19
desse mês, foi bastante inconstante; no entanto, como o tempo parecia bastante
belo às cinco horas da manhã e o cume do Puy de Dôme se mostrava descoberto,
resolvi ir até lá para fazer a experiência. Para isso, avise a várias pessoas de boa condição dessa cidade
de Clermont, que me haviam solicitado avisá-las sobre o dia em que eu lá iria,
das quais algumas são eclesiáticos e outras leigos: entre os eclesiáticos
estavam o muito reverendo padre Bannier, um dos padre mínimos dessa cidade, que
várias vezes foi corregedor, quer dizer superior, e o Senhor Mosnier, cônego da
igreja catedral dessa cidade; e, entre os leigos, os Senhores la Ville e Begon,
conselheiros na corte das ajudas e o Senhor La Porte, doutor em medicina que a
pratica aqui, todas pessoas muito capazes, não apenas em suas profissões, mas
também em todos os belos conhecimentos, com os quais fiquei maravilhado de
executar esse belo trabalho. Nos fomos portanto nesse dia, todos juntos, às oito
horas da manhã, ao jardim dos padres Mínimos, que é quase o lugar mais baixo da
cidade, onde a experiência foi iniciada da maneira seguinte.
Primeiramente, despejei em um recipiente dezesseis libras de
mercúrio, que eu havia retificado nos três dias precedentes; e tendo tomado
dois tubos de vidro de grossuras semelhantes e cada um com comprimento de
quatro pés, selados hermeticamente em uma extremidade e abertos na outra, fiz,
em cada um deles, a experiência ordinária do vazio nesse mesmo recipiente e, tendo
aproximado e reunido os dois tubos um contra o outro, sem tirá-los para fora de
seu recipiente, observou-se que o mercúrio que havia permanecido em cada um
deles estava no mesmo nível e que havia em cada um deles, acima da superfície
do vaso, 26 polegadas e 3,5 linhas. Refiz essa mesma experiência nesse mesmo
lugar, com os dois mesmos tubos, com o mesmo mercúrio e no mesmo recipiente
duas outras vezes, encontrando-se sempre que o mercúrio dos dois tubos ficava
no mesmo nível e a mesma altura que na primeira vez.
Isso feito, deixei na residência um desses dois tubos em seu
recipiente em uma experiência contínua. Marquei no vidro a altura do mercúrio
e, tendo deixado esse tubo no mesmo lugar, solicitei ao reverendo padre
Chastin, um dos religiosos da casa, homem tão piedoso quanto capaz e que
raciocina muito bem nesses assuntos, de ter o trabalho de aí observar, de
momento em momento,, durante todo o dia, se ocorreria alguma mudança. E com o
outro tubo e uma parte desse mesmo mercúrio, fui, com todos esses senhores,
fazer aas mesma experiências no alto do Puy de Dôme, que está quinhentas toesas
aproximadamente acima dos Mínimos, onde se encontrou que não restava mais no
tubo senão a altura de 23 polegadas e 2 linhas de mercúrio, ao invés que nos
Mínimos havia-se encontrado, nesse mesmo tubo, a altura de 26 polegadas e 3,5
linhas; e, assim, entre as alturas do mercúrio dessas duas experiências, existe
uma diferença de 3 polegadas, 1,5 linha: o que nos maravilhou com admiração e
espanto e nos surpreendeu de tal forma que, para nos satisfazermos totalmente,
quisemos repeti-la. É por isso que eu a fiz ainda cinco outras vezes muito
exatamente, em diferentes lugares do topo da montanha, tando em um lugar
coberto dentro da pequena capela que lá existe, quanto a descoberto, tando ao
abrigo quanto ao vento, tanto no bom tempo quato durante a chuva e a neblina
que nos envolviam às vezes, tendo em cada vez expurgado cuidadosamente de ar o
tubo; sempre se encontrou a mesma altura do mercúrio de 23 polegadas e 2 linhas,
que são 3 polegadas 1,5 linha de diferença em relação a 26 polegadas e 3,5
linhas que haviam sido encontradas nos Mínimos. Isso nos satisfez plenamente.
Depois, descendo a montanha, refiz no caminho a mesma
experiência, sempre com o mesmo tubo, o mesmo mercúrio e o mesmo vaso, em um
lugar chamado A Fonte da Árvore,
bastante acima dos Mínimos, mas bastante abaixo do cume da montanha; e lá
encontrei que a altura do mercúrio que permanecia no tubo era de 25 polegadas.
Eu a refiz uma segunda vez nesse mesmo lugar e o acima citado Senhor Mosnier
teve a curiosidade de fazê-la ele mesmo; ele a fez portanto nesse mesmo lugar e
encontrou-se sempre a mesma altura de 25 polegadas, que é menos do que aquilo
que se encontrou nos Mínimos por 1 polegada e 3,5 linhas e maior do que aquela
que tinhamos acabado de encontrar no alto do Puy de Dôme de 1 polegada 10,5
linhas, o que aumentou bastante nossa satisfação, vendo a altura do mercúrio
diminuir de acordo com a altura dos lugares.
Enfim, tendo retornado aos Mínimos, aí encontrei o
recipiente que havia deixado em experiência contínua, na mesma altura na qual o
havia deixado, de 26 polegadas e 3,5 linhas; o reverendo padre Chastin, que
havia aí permanecido para observá-la, nos relatou que essa altura não tinha
sofrido nenhuma mudança durante todo o dia, embora o tempo tenha sido bastante
inconstante, ás vezes sereno, ás vezes chuvoso, ás vezes cheio de névoa e ás
vezes ventoso.
Aí refiz a experiência com o tubo que havia levado ao Puy de
Dôme e no vaso onde estava o tubo em experiência contínua; encontrei que o
mecúrio estava no mesmo nível, nesses dois tubos, e à altura de 26 polegadas,
3,5 linhas como havia sido encontrado de manhã nesse mesmo tubo e como havia
sido observado constantemente durante todo o dia no tubo em experiência
contínua.
Eu a repeti ainda pela ultima vez, não apenas no mesmo tubo
que havia levado sobre o Puy de Dôme mas ainda com o mesmo mercúrio e no mesmo
recipiente que havia levado e encontrei sempre que o mercúrio ficava à mesma
altura de 26 polegadas, 3,5 linhas, que havia sido encontrada de manhã. E isso
nos manteve na certeza da experiência.
No dia seguinte o reverendíssimo padre de la Mare, padre do
oratório e teólogo da igreja catedral que havia estado presente ao que havia se
passado na manhã do dia precedente nos jardins dos Mínimos, e a quem eu havia
descrito aquilo que havia acontecido no Puy de Dôme, me propôs fazer a mesma
experiência ao pé e no alto da mais alta das torres da Notre-Dame de Clermont,
para verificar se ocorreria uma diferença. Para satisfazer a curiosidade de um
homen de tão grande mérito e que deu a toda França provas de sua capacidade,
fiz no mesmo dia a experiência ordinária do vazio, em uma casa particular que
está que está no mais alto lugar da cidade, elevado acima dos jardins dos
Mínimos de seis ou sete toesas e ao nível do pé da torre: nós la encontramos
que o mercúrio te a altura de aproximadamente 26 polegadas e 3 linhas que é
cerca de 0,5 linha menor do que aquela que havia sido encontrada nos Mínimos.
Em seguida, eu a fiz no alto da mesma torre, que está 20
toesas acima de sua base e acima do jardim dos Mínimos cerca de 26 ou 27
toesas; aí encontrei o mercúrio a altura à altura de cerca de 26 polegadas e 1
linha que é cerca de 2 linhas a menos do que aquela que havia sido encontrada
ao pé da torre e cerca de 2,5 linhas em relação àquela que havia sido
encontrada nos Mínimos.
De modo que, para retomar e comparar as diferentes variações
dos lugares, onde as experiências foram feitas, com as diferentes alturas do
mercúrio que permaneceu nos tubos, encontra-se:
Que na experiência feita no lugar mais baixo, o mercúrio
permaneceu a altura de 26 polegadas, 3,5 linhas.
Naquela que foi em um lugar com uma elevação em relação ao
mais baixo de cerca de 27 toesas, o mercúrio se encontrou à altura de 26
polegadas e 1 linha.
Naquela que foi feita em um lugar elevado acima do mais
baixo em cerca de 150 toesas, o mercúrio se encontrou à altura de 25 polegadas.
Naquela que foi feita em um lugar cerca de 500 toesas acima
do mais baixo, o mercúrio se encontrou a uma altura de 23 polegadas e 2 linhas.
E, portanto, encontra-se que cerca de 7 toesas de elevação
dão uma diferença na altura do mercúrio de 0,5 linha.
Cerca de 27 toesas: 2,5 linhas.
Cerca de 150 toesas: 15,5 linhas, que correspondem a 1
polegada e 3,5 linhas.
E cerca de 500 toesas: 37,5 linhas, que correspondem a 3
polegadas e 1,5 linhas.
Eis realmente tudo aquilo que aconteceu nessa experiência,
da qual todos esses senhores que as assistiram vos assinarão o relatório quando
assim o desejares.
De resto, tenho a vos dizer que as alturas do mercúrio foram
tomadas muito exatamente; mas as dos lugares onde as experiências foram feitas,
não o foram tão bem.
Se eu tivesse tido tempo e comodidade, eu as teria medido
com mais precisão e até mesmo marcado lugares na montanha a cada 100 toesas, em
cada um dos quais teria feito a experiência e marcado as diferenças que se
tivesse encontrado na altura do mercúrio em cada uma dessas estações, para vos
dar exatamente a diferença que teriam produzido as primeiras 100 toesas,
aquelas que teriam sido as segundas 100 toesas e assim para as outras; o que
poderia servir para elaborar uma tabela, por cuja extrapolação aqueles que
quizessem se dar ao trabalho de fazê-lo poderiam talvez chegar ao perfeito conhecimento
do exato tamanho do diâmetro de toda a esfera do ar.
Não perco a esperança de vos enviar algum dia essas
diferenças de 100 toesas, tanto para nossa satisfação quanto pela utilidade que
o público terá por ela.
Se vós encontrardes algumas obscuridades nessa
descrição, eu vo-las poderei esclarecer
pessoalmente em poucos dias, já que estou para fazer uma pequena viagem a
Paris, onde vos assegurarei que sou,
Senhor,
Vosso muito humilde e muito afeiçoado servidor,
Périer.
De Clermont, 22 de setembro de 1648.
CARTA DE TORRICELLI A
MICHELANGELO RICCI
Firenze,
11 de junho de 1644.
Muito
ilustre Senhor e mestre caríssimo.
Enviei algumas semanas atrás
demonstrações minhas sobre o espaço da ciclóide ao Sr. Antonio Nardi,
pedindo-lhe que, depois de havê-las visto, enviasse-as diretamente a V.S ou
então ao Sr. Magiotti. Já lhe anunciei que estava sendo feita alguma
experiência filosófica sobre o vácuo, não simplesmente para fazer o vácuo, mas
para fazer um instrumento que mostrasse as mudanças do ar – ora mais pesado e
grosso ora mais leve e sutil. Muitos disseran que o vácuo não pode ocorrer;
outros que pode, mas com esforço e com repugnância da Natureza; ainda não
conheço ninguém que haja dito que possa ocorrer sem esforço e sem resistência
da Natureza. Eu pensava assim: se encontrasse alguma causa evidente que
explicasse essa resistência que se sente ao tentar fazer o vácuo, parecer-me-ia
inútil tentar atribuir ao vácuo esse efeito que claramente é devido a outra
razão; e, fazendo certos cálculos facílimos, encontro que a causa admitida por
mim (ou seja, o peso do ar) deveria por si só ser mais notável do que ela o é
ao se tentar produzir o vácuo. Digo isso para que algum filósofo, vendo-se
incapaz de fugir a essa confissão de que a gravidade do ar explica a
repugnância sentida ao se fazer o vácuo, não dissesse que aceita o efeito do
peso do ar mas persistisse em afirmar que a Natureza também contribui para a
repugnância ao vácuo. Vivemos submersos no fundo de um abismo do elemento ar, o
qual, por experiências indubitáveis, sabe-se que pesa: e tanto que, a essa
grande vizinhança da superfície da Terra, pesa aproximadamente 1/400 do peso da
água. Os autores observaram, depois do crepúsculo, que o ar cheio de vapores e
visível se eleva a cerca de cinquenta ou cinquenta e quatro milhas acima de
nós; mas não creio que seja tanto, pois mostrarei que o vácuo deveria fazer uma
resistência muito maior do que a que faz, se bem que se deve admitir a seu
favor que o peso determinado por Galileo se aplica ao ar baixíssimo onde se
movem os homens e os animais, mas que, acima dos cumes das altas montanhas, o
ar começa a ser puríssimo e de peso muito inferior a 1/400 do peso da água.
Fizemos muitos vazos de vidro, como indicados em A e B, grossos e com o pescoço
com comprimento de duas braças; (sendo) esses preenchidos de mercúrio, depois
fechados pela boca com um dedo e invertidos em um vaso C no qual havia
mercúrio, via-se que eles se envaziavam e que nada acontecia ao vaso que se
esvaziava; no entanto, o pescoço AD ficava sempre cheio até a altura de uma
braça e um quarto e mais uma polegada. Para mostrar que o vazo estava
perfeitamente vazio, preenchia-se o vasilhame com água sobreposta (ao mercúrio)
até D; e, erguendo o vaso pouco a pouco, via-se, quando a boca do vaso chegava
à água, que o mercúrio descia do pescoço e ele se enchia de água, com impeto
horrível, totalmente, até a marca E. Raciocinava-se: enquanto o vaso AE estava
vazio e o mercúrio se sustentava – embora pesadíssimo – no pescoço AC, essa
força que dirige o mercúrio contra sua natureza de cair para baixo, conforme se
acreditou até agora, era interna ao vaso AE; ou ao vácuo, ou a essa matéria
extremamente rarefeita; mas eu mantenho que é externa e que q força vem de
fora. Sobre a superfície do líquido que está na bacia gravita a altura de
cinquenta milhas de ar; devemos nos maravilhar se no vidro CE, onde o mercúrio
não tem tendência nem repugnância, pois nada existe aí, ele entre e se eleve
tanto que se equilibre com a gravidade do ar externo, que o empurra? Também a
água em um vaso semelhante mas muito mais longo subirá até quase dezoito
braças, isto é, tanto mais em relação ao mercúrio quanto o mercúrio é mais
pesado do que a água, para equilibrar-se com a mesma causa que empurra um e
outro. O raciocínio era confirmado pela experiência feita ao mesmo tempo com o
vaso A e com o tubo B nos quais o mercúrio parava sempre na mesma horizontal AB
– sinal quase seguro de que a força não estava dentro; pois o vaso AE teria
mais força, onde havia mais matéria rarefeita e atrativa, e muito mais poderosa
pela maior rarefação, do que aquela do pequeníssimo espaço B. Tentei, portanto,
com esse princípio, explicar todo tipo de repugnância sentida nos vários
efeitos atribuídos ao vácuo, não tendo, até agora, encontrado nada que não dê
certo. Sei que surgirão muitas objeções a V.S., mas espero também que as
superará pensando. Minha principal intenção, no entanto, não teve sucesso – a
de conhecer quando o ar é mais grosso e pesado e quando é mais sutil e leve com
o instrumento EC, pois o nível AB se altera por uma outra causa (que eu não
poderia acreditar), ou seja, pelo calor e frio – e muito sensívelmente, como se
o vaso AE estivesse cheio de ar.
Firenze, 11 de junho de 1644.
Sou
muitíssimo devedor e obrigado
a vossa muito ilustre senhoria,
V. Torricelli.
Figura 18 - Esquema do tubo descrito na carta
http://www.ghtc.usp.br/server/Sites-HF/Felipe-Lourenco/invencoes_arquivos/image007.gif - 24/09/2016
CARTA ESCRITA SO SENHOR CHARUT,
RESIDENTE DE SUA MAJESTADE NA SUÉCIA SOBRE A EXPERIÊNCIA DO VAZIO, EM NOVEMBRO
DE 1646, PELO SENHOR PETIT SUPERINTENDENTE DAS FORTIFICAÇÕES
Ao
Senhor
Senhor Charut, conselheiro do
Rei em seus conselhos e residente de Sua Majestade muito Cristã junto a Rainha
da Suécia.
Senhor,
Mesmo se eu não tivesse outro
assunto para escrever-vos na bela ocasião do retorno do Senhor Embaixador da
Suécia, além de dar-me a honra de lembrar-vos de mim e de renovar o
oferecimento de meu muito humilde serviço, eu não deixaria de fazê-lo e de vos
testemunhar que partilho da alegria de todos vossos amigos pelos testemunhos
que Sua Excelência proporcionou de vosso mérito e da satisfação que Sua
Majestade da Suécia tem por vossos serviços. De fato, como ninguém poderia
ocupar mais dignamente o lugar que ocupais do que vós mesmo, não há motivo para
espanto se vós vos desempenhais das tarefas dignas dele com uma aprovação
geral. Mas como sei bem que as almas constituídas como a vossa estão acima de
qualquer elogio, e como sabeis também que a minha sempre fez o voto dessa
liberdade filosófica que diz a verdade ingenuamente e com poucas palavras,
temendo que elas sejam suspeitas de pedantismo, quando são exageradas, eu me
contentaria em fazer-vos este pequeno cumprimento e em fazer-vos conhecer com
que afeto me interesso por tudo o que vos toca.
E para vos participar aquilo que
ocorre na França entre vossos amigos e no liceu dos curiosos e filósofos –
embora não tenha dúvida de que tendes correspondências que vos notificam todas
as novidades e boas coisas que são aqui feitas – dir-vos-ei uma feita por mim
que não vos desagradará, relativa a uma experiência que o Padre Mersenne me
disse ultimamente que quisestes fazê-la juntos mas que não suficientemente bem
sucedida que pudesse satisfazê-los. É a experiência de Torricelli, sobre o
vazio, com a qual quero vos entreter, se vossos afazeres mais sérios vos podem
permiti-lo.
Sabei portanto, que, tendo-a
feito particularmente há quatro ou cinco meses atrás, com um tubo de vidro de
cerca de dois pés de comprimento, e tendo descoberto que não havia aí mercúrio
suficiente para causar, por seu peso, um vazio muito sensível; e que o pouco
que aparecia no alto do tubo poder-se-ia dizer, de acordo com a opinião comum,
ser ar rarefeito, mesmo se antes ele não tivesse sequer o tamanho de um grão de
alpiste, embora eu tivesse tomado todas as precauções suficientes; para
concluir que não havia nada, fiz sua descrição a nosso bom amigo, Senhor
Pascal, ao passar por Rouen; ele ficou encantado por ouvir falar de uma tal
experiência – tanto por sua novidade, quanto porque sabeis que ele desde longo
tempo admite o vazio; e como lhe disse que ainda não estava totalmente
satisfeito com essa experiência e que gostaria de refazê-la algum dia em que
pudesse, com um tubo maior e com maior quantidade de mercúrio, para produzir,
se fosse possível, um vazio maior por um maior peso, ele me rogou que pudesse
ser seu espectador e que a fizéssemos juntos quando de meu retorno de Dieppe.
Para vos dizer como sucedeu o caso pelo qual eu para lá me dirigia, que era
para me assegurar da verdade das afirmações feitas desde 5 anos atrás por um
homem de Marseille que diz descer ao fundo do mar e aí permanecer cinco ou seis
horas por meio de certa máquina, em consideração ao que o Rei e o monsenhor
Cardeal Richelieu lhe deram permissão de aí pescar e de lá tirar todas as
coisas perdidas e abandonadas – isso seria me desviar muito de meu assunto e
mergulhar em uma conversa tão alentada quanto a presente; continuarei apenas a
história de nosso vazio e vos direi que, retornando a Rouen, fomos juntos a
vidraria onde fiz fabricarem um tubo de quatro pés de comprimento e com a
grossura interna do dedo mínimo e o fiz fechar por uma extremidade – ou selar
hermeticamente, para falar nos termos da arte. Feito isso, fomos a um vendedor
de drogas ou especiarias para nos fornecer a quantidade de mercúrio que nos
seria necessária, de cerca de quarenta ou cinquenta libras. Com ele, com a
ajuda de um pequeno funil de papel dobrado (pois esquecemos de mandar fazer um
de vidro e os de ferro branco não valem nada aqui, por causa do estanho),
preenchemos totalmente o nosso tubo, cuja extremidade de baixo, que estava
tampada, estava dentro de uma pequena bacia de madeira bastante profunda e
espaçosa ( um pote de barro que não fosse tão longo e que fosse mais profundo
teria sido melhor); tendo o tubo sido assim tudo preenchido de mercúrio,
coloquei dentro da bacia a altura de três dedos de mercúrio e acima dele fiz
colocar a mesma quantidade de água comum. Isso feito, ergui meu braço colocando
o dedo médio sobre o furo do tubo, qual estava tão cheio de mercúrio que ele
jorrou quando o dedo ocupou seu lugar - e o erguemos muito docemente, sustentando-o
embaixo e no meio, temendo que o peso o fizesse romper-se e para me ajudar.
Depois, mantendo sempre o dedo firme e a mão no tubo, eu o mergulhei através da
água no mercúrio até que meu dedo estivesse no fundo do vaso; ficamos então
algum tempo examinando se havia alguma ar no topo (do tubo); não o vimos de
modo algum – pelo contrário, ele estava visivelmente todo cheio de mercúrio;
depois disso, retirando o meu dedo de baixo e deixando o tubo tocar o fundo do
vaso, vimos o mercúrio descer e abandonar o alto do tubo, não de uma só vez e
em um instante, nem muito lentamente, mas como água derramada em um filtro; e,
o que é muito admirável, ele desceu mais de dezoito polegadas, que é um
comprimento extraordinário – e eu nem teria jamais acreditado nisso, pois, na
primeira vez, quando meu tubo era menor, não fez (um efeito) proporcional.
Pusemo-nos a filosofar sobre isso antes de prosseguir e o filho do Senhor
Pascal objetou que os simplícios poderiam dizer que esse espaço que parecia
vazio era ar, o qual, para evitar o vazio, teria penetrado o vidro e entrado
por seus poros; respondi-lhe que se poderia perguntar-lhes porque não entrava
ainda mais e porque todo o mercúrio não caía, pois o ar poderia entrar no tubo
pelos poros do vidro e substituir todo o resto do mercúrio como já havia feito
com uma parte; de tal modo, por que essa razão necessária e por muitas outras
que provam que o vidro não é poroso nem permeável pelo ar, como o demonstram os
termômetros por sua rarefação e condensação, causadas pelo frio e pelo calor,
parece-nos que isso não poderia ser ar que penetrou pelos poros do vidro.
Também para dizer que ele tivesse subido pela parte de baixo do tubo, seria
preciso que ele primeiramente tivesse descido e passado através da água e do
mercúrio, mais pesados do que ele e que, portanto, ele não poderia penetrar.
Além disso, se tivesse podido passar uma certa quantidade do comprimento de
dezoito polegadas, por que não teria a passado ainda mais? O que teria impedido
a sua continuação, que seria mais fácil do que a entrada? Portanto, nada
assegurava que fosse ar, nem havia razão para convencer que não era. Mas eis
aqui o que parecerá decidir toda a questão. Depois que por muito tempo
examinamos com espanto esse vazio aparente ou verdadeiro, tendo-o medido e
marcando sobre o vidro, ergui-o docemente pelo alto e – coisa estranha – o
vazio aumentou ainda de altura, tanto quanto havia de mercúrio no fundo do
vaso, sem que o nível ou altura do mercúrio que estava no tubo mudasse de modo
nenhum, nem subisse como eu acreditaria. Tendo-nos apercebido disso, fizemo-lo
várias vezes e vimos sempre a mesma coisa, que deveis notar bem e que me deu a
oportunidade de procurar sua razão que logo vos direi e pedirei vossa opinião.
Elevando portanto o tubo, o mercúrio que nele estava permaneceu como se
estivesse suspenso e não o seguiu; mas o vazio aumentou enquanto e tanto quanto
a extremidade de baixo subia no mercúrio do vaso; de tal forma que, após haver
feito isso muitas vezes, tendo elevado e abaixado o tubo no citado mercúrio
para observá-lo, elevei-o finalmente até a região da água; logo que o mercúrio
(do tubo) abandonou o mercúrio do fundo, ele (o mercúrio) caiu, desceu
imediatamente todo de uma vez e a água subiu com grande velocidade até o alto
do tubo, preenchendo todo esse espaço que antes parecia vazio ou cheio de ar,
sem restar um só grão visível no alto (do tubo); eis como, em minha opinião, se
pode discorrer a filosofar sobre isso. Se fosse o ar que, entrando pelos poros
do vidro ou por baixo do tubo, tivesse preenchido esse espaço que vimos, de
dezoito polegadas, por que a água que entrou por baixo teria subido nesse
espaço e por que teria ela subido mais alto do que as dezoito polegadas? E por
que teria ela expulsado o ar completamente do espaço que ele já havia ocupado e
que não pertencia à água? Pelo contrário, ela fez um esforço para subir até lá,
contra sua natureza. Nenhuma aparência justifica, portanto, que isso fosse ar
que tivesse entrando no vidro e que a água, subindo, tivesse feito sair pelos poros;
se ela tivesse descido ou fosse empurrada por uma força, haveria alguma coisa a
favor desse mal julgamento. Como o efeito foi assim como vos digo, e como o
Senhor Pascal estava há muito tempo persuadido dessa opinião de Heron e de
muitos outros filósofos, ficou encantado por vê-la confirmada por essa
experiência, por seus próprios sentidos. Mas, quanto a mim, disse-lhe que não
acreditava que todos pudessem ficar satisfeitos com ele; pois, de acordo com a
opinião comum que não admite o vazio, dirão sempre que aquilo que aparece acima
do mercúrio é ar extremamente rarefeito; e que uma pequena quantidade, do
tamanho da cabeça de um alfinete, que pudesse ter permanecido no fundo do tubo,
ou levado com o dedo quando foi levado ao orifício do tubo para tampá-lo – em
resumo, que um átomo de ar, por assim dizer, seria capaz de se rarefazer e
expandir não apenas até a quantidade das dezoito polegadas, mas a uma maior, se
houvesse maior força para causar essa rarefação, ao invés de aceitar o vazio da
natureza; e que, portanto, essa experiência mais confirma e favorece sua
opinião do que a destrói; pois, de fato, não se pode provar-lhes que não existe
no tubo nenhum átomo de ar acima do mercúrio. E se lhes objetarmos por que a
água que aí entra ocupa então todo o lugar que parecia vazio, de modo que não
se vê nenhum ar, poderão responder que essa pequena partícula de ar que estava
tão rarefeita se condensa e retorna a seu estado e lugar inicial, que não pode
ser visto porque existe muito pouco: e assim não saberíeis o que dizer para
convencê-los, a menos que lhes demonstrasse que não há nada realmente e que não
permaneceu nem entrou no tubo nenhuma partícula. E se, depois, lhes
perguntarmos por que este ar, então, não se rarefez ainda mais, até a base do
tubo para deixar o mercúrio descer totalmente, poderão também perguntar por que
não se fez um vazio com mais de dezoito polegadas; e assim quase nada se pode
objetar-lhes que eles não devolvam com igual força. Mas vou parar de vos
entreter tanto com o contra e o a favor e de filosofar sobre um assunto sobre o
qual so tenho o propósito de vos descrever o fato e desenvolver ingenuamente a
história e o processo verbal da experiência que fizemos, para obter, se vos
aprouver, vossos sentimentos sobre meu relatório ou sobre aquilo que virem vós
mesmos, quando vos derdes ao trabalho de fazê-la, como a descrevi. Mando-vos
intencionalmente todas as particularidades e dificuldades encontradas nisso,
para que, se o Senhor Embaixador – ao qual falei sobre isso – e Sua Majestade
da Suécia – a quem agradam todas as coisas belas – quiserem ter esse prazer,
vós o possais proporcionar-lhes sem falha e tirardes juntos e com os mais
hábeis da Suécia as consequências que julgardes melhores.
Não contentes com essa
experiência, fizemo-la ainda duas vezes e sempre encontramos precisamente a
mesma coisa; mas como nelas observei algumas condições que são boas de saber,
vou descrevê-las. A primeira é que o interior do tubo esteja bem seco e que
nele não se tenha soprado nem colocado água; por isso, na segunda vez em que se
quiser fazer essa experiência, como entrou água na primeira, é preciso aquecer
o tubo de modo que toda água e umidade que está dentro se evapore e que ele
fique seco. Em segundo lugar, que o mercúrio que aí colocais não tenha sido
misturado à água, pois, embora esses dois corpos não se misturem, no entanto,
algumas pequenas gotas de água que a ele se prendem formam pequenas bolhas no
tubo e rompem a continuidade do mercúrio. Isso poderia dar aos peripatéticos o
pretexto de dizer que é daí que vem a pretensa rarefação. Em terceiro lugar, é
preciso que o pote ou bacia no qual colocais o mercúrio e a água seja profundo
e de abertura suficientemente larga para que o braço passe facilmente. Por fim,
quanto mais mercúrio houver no fundo desse pote, mais bela será a experiência;
é preciso ter, pelo menos, três ou quatro polegadas, para que, elevando e
abaixando o tubo nesse espaço, veja-se o pretenso vazio aumentar e diminuir –
sobre o que, como vos disse, farei uma descrição particular. Observareis,
portanto, que quando todo o mercúrio que podia cair caiu até certa altura, e
quando o alto do tubo ficou vazio, por assim dizer, em certo comprimento, esse
mesmo vazio permanece sempre, enquanto o tubo permanecer nesse estado.
Lembro-me que, durante a experiência, quando alguém perguntou por que em todas
as vezes o mercúrio não desceu mais o Senhor Pascal e eu respondemos que se
deveria dizer que a natureza não pode suportar um vazio maior ou maior
rarefação, como os outros dizem; mas percebi depois que a nossa resposta era
falsa, embora não tivéssemos o tempo para refletir sobre isso, nem de
raciocinar sobre essa bela experiência, tendo sido separados pela noite e pela
obrigação que eu tinha de partir na manhã seguinte. Lembrei-me, como disse, que
não era correto dizer que a natureza limitava seu vazio ou o ar sua rarefação e
que não se podia fazer um maior do que o que tinha sido feito no tubo: pois nós
mesmos o havíamos visto sofrer um aumento igual à altura do mercúrio do fundo
do vaso, elevando (o tubo) nele até a água e plausivelmente o teríamos
aumentado ainda mais se o mercúrio tivesse uma maior altura. Portanto, a
quantidade de vazio ou a rarefação não era determinada em tal ou qual medida
mas dependia da força do agente que a causa; de tal forma que o peso do
mercúrio que estava no tubo (para continuar nesse exemplo), possuindo apenas a
força de baixar sua altura e de causar, por seu peso de queda, até certa
quantidade de vazio ou de rarefação, não devemos nos espantar que ele
produzisse sempre o mesmo e não mais; e quando foi produzido mais no tubo, foi
por causa de um outro agente ou força maior do que o peso do mercúrio, a saber:
a força do braço que, elevando mais o tubo, até a região da água, deixou o
mercúrio no mesmo lugar e produziu o mesmo efeito que se ele tivesse sido
puxado por baixo tanto quanto o tubo foi elevado para o alto, quer dizer,
causou um maior espaço vazio ou de rarefação. Em minha opinião, esta é a
resposta justa que se deve dar a essa dúvida; para verificá-la, seria necessário
comparar a força que se emprega para elevar o tubo nesse estado, com o peso do
mercúrio que resta dentro – prendendo o citado tubo de um lado de uma balança e
colocando do outro o peso necessário para fazer essa elevação – pois não tenho
dúvidas de que seja preciso (um peso) maior do que o do mercúrio do tubo,
embora pareça que, sendo de uma natureza fluida, ele não deveria impedi-lo de
subir. Se alguma vez refizer aquela experiência, farei também esta, que será
muito fácil; e penso que não vos será aborrecido lê-las, desde que seja no
intervalo de lazer que vossas ocupações mais sérias poderão proporcionar. Eu
jamais pensaria em vos escrever tanto, se o Padre Mersenne não me houvesse
assegurado que haveis tentado juntos fazer essa mesma experiência. Creio que
vistes aquelas que fizemos, o Senhor Gassendi e eu, da queda dos corpos na
balança; e eu gostaria de ter tempo disponível para publicar as que fiz sobre
os pesos e refrações de quase todos os corpos diáfanos, sólidos e líquidos –
veríeis ai a exatidão e a novidade que se pode tirar de belos princípios
físicos. Mas percebo o tamanho extraordinário em que fico vos deduzindo
bagatelas, enquanto deveria ter dedicado esse número de linhas ao elogio dessa
grande Rainha, que todos aqui admiramos, e à qual eu me sentiria feliz de
servir em todos os lugares onde a honra de suas ordens me pudesse enviar, como
o fui igualmente ao oferecer meus serviços ao grande Gustavo, seu glorioso pai,
e receber dele tais honras, mais de vinte anos atrás, que não esqueceria nem em
mil, se pudesse vivê-los. Se me julgardes capaz de lhes prestar algum serviço,
seja na procura de livros, de que ela envie alguma lembrança, seja em qualquer
outro emprego, suplico-vos muito humildemente de lembrar-vos (de mim). O Senhor
Embaixador deixa aqui tal reputação de seu mérito e virtudes eminentes que eu
não seria capaz de dizer sobre ele nada que não estivesse aquém da verdade;
quanto a mim, recebi tantos testemunhos da honra de sua bondade e tanta
satisfação de sua companhia que jamais deixarei de torná-lo público. Pode-se
dizer que ele me causou a primeira tristeza que jamais tive de estar preso à
França, pois ela me privou da honra de segui-lo por toda parte – o que eu teria
feito com o melhor sentimento que eu jamais tive, pelo tanto que ele ganhou
minhas inclinações por seus encantos; e peço-lhe que lhe testemunhe meus
sentimentos em relação a ele e o modo como vos escrevi sobre isso. Mas a
propósito de livros, fiz-lhe um pequeno pacote; e, embora no começo ele só
quisesse comédias e romances, cuja leitura já abandonei há muito tempo atrás,
fi-lo aceitar quarenta ou cinquenta belos volumes de outros assuntos próprios a
seu uso, de acordo com o catálogo que podereis ver, com o projeto de um ballet
que vos rogo examinar e para cuja execução estou certo de que contribuireis
muito. Aprouvesse a Deus que me fosse permitido ir até aí para ser tanto
intendente quanto espectador como o faria com todo meu coração. Mas devo
terminar com essa aspiração, rogando-vos honrar-me sempre com vossas boas
graças e assegurando-vos que jamais ninguém foi nem será mais do que eu,
Senhor,
Vosso humilde e mui afeiçoado
servidor,
Petit
Em Paris, 26 de novembro de
1646.
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